Nós, os brasileiros, somos também vítimas da tragédia do Haiti. A simples percepção de um engajamento tímido de nossa parte diante dos terríveis problemas do pequeno e miserável país da América Central é um fenômeno forte, um considerável abalo sísmico em nossa condição de brasileiros outrora solidários com nossos irmãos latino-americanos. Alguns podem discordar do que digo aqui. Estes, no entanto, deveriam dar uma pesquisada no imenso apoio dado pelos Estados Unidos, México, Canadá e por diversos países europeus.
Independentemente das somas em dinheiro ou das toneladas de comida ou de medicamentos, percebe-se claramente que o Haiti não nos tocou como poderia ter tocado. Os americanos fizeram programas de TV que arrecadaram milhões, realizaram shows emergenciais e colocaram toda sua força mobilizadora no ar, 24 horas por dia, movimentando toda a sociedade, suas celebridades, formadores de opinião e lideranças políticas. Ainda assim, foram criticados pelo excesso, por terem "tomado conta" do país destruído e seus 200 mil mortos. Nós, os nativos da pátria mãe gentil, pouco fizemos enquanto cidadãos. Discorde à vontade. Mas não se esqueça, no entanto, de ligar AGORA mesmo a CNN, a MSNBC ou a Fox para ver se eles não permanecem em campanha para ajudar o Haiti enquanto você lê estas linhas.
O que será que nos mantém anestesiados diante da catástrofe que acometeu os irmãos haitianos? Distância? Não. A distância de Honduras é menor e lá fomos abrigar um estabanado embrião de ditador em nossa própria representação diplomática. Não. A distância geográfica não nos impediu de interferir nos problemas hondurenhos, junto com a Venezuela de Hugo Chávez. A distância tampouco nos livrou de um fiasco internacional sem precedente. O que teria sido então? O idioma? Acredito que não. Por mais que os haitianos falem francês, nossas forças de paz (heróis brasileiros de verdade, como há muito não víamos) estão lá há um bom tempo, tendo conquistado os corações e mentes do povo com sua boa vontade e muito trabalho. Não foram a distância nem o idioma que falharam em nos sensibilizar.
Minha percepção é de que a corrupção sistêmica, generalizada e abundante que assola o nosso país está a enrijecer nossa alma, esfriar nossos corações e, o que é ainda pior, está tornando-nos indiferentes ao que acontece tanto no Haiti quanto em Angra dos Reis ou em Agudo. As mortes em São Paulo são relatadas nos jornais como "culpa do Serra". As mortes no Rio de Janeiro foram tragédias naturais, frutos dos desmandos da mãe natureza... Em ambos os casos, a busca precípua pelos culpados e pelos porquês das tragédias são mais importantes, editorialmente falando, do que auxiliar ou prestar solidariedade às vítimas.
A corrupção generalizada, o roubo de merenda escolar, a falta de segurança, dinheiro em cuecas e meias, mensalão do PT, dos mineiros e do DEM do Distrito Federal, os escândalos e mais escândalos que nos são presenteados todos os dias por nobres senadores, deputados, juízes e autoridades engrossam nossa sensibilidade, tiram o apuro de nosso afeto e destroem nossa solidariedade.
Nós somos um grande Haiti. Nossos abalos sísmicos são mais silenciosos. O epicentro é geralmente o planalto central e o número de vítimas incalculável. Os pontos na escala Richter dos nossos abalos morais e éticos são altos.
Quanto tempo ainda temos antes que nossa vergonha desabe sobre nós?
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