sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vestígios de uma manhã qualquer

Acordei na sexta-feira ouvindo no rádio jornalistas indignados com atos de vandalismo praticados em algumas lixeiras novinhas espalhadas pelas ruas pela prefeitura de Porto Alegre. Ao ouvir o velho e surrado tom "indignado", típico de jornalistas cansados e sem assunto, lembrei-me de uma passagem singela de minha vida de marqueteiro de telefonia. Num determinado momento, inquieto com o prevalecimento das pessoas contra os inocentes orelhões, logo imaginei uma campanha daquelas bem emocionais, pra ganhar prêmio. No roteiro, um cara que teria seu cachorro morto sofria porque o orelhão defronte sua casa estava depredado e o veterinário não podia ser acionado. Depois de tudo, viria a mensagem "Cuide de seu telefone público, você ainda pode precisar dele". Os gerentes da área de telefonia pública pularam e me pediram pra esquecer o assunto, mostrando números incríveis que provavam que quanto mais se falasse em vandalismo, mais os pobres dos orelhões sofriam. Calei minha boca na hora. Pensei, por fim, "era bom alguém pedir pra os ilustres jornalistas arranjarem outro assunto, senão pode aumentar o vandalismo".

Troquei de estação e lá estava o velho viamonense (ou não tão velho), contando o caso da empresa de lombadas de Vera Cruz e seus alegados enormes prejuízos, atuais e futuros, com a tal operação do DAER. Meu palpite desde o início era de que a tal força-tarefa não daria em nada e fiquei a imaginar os esforços editoriais imensos que foram empregados para escancarar a medonhagem. Concluí que se cometem injustiças também com os que chafurdam atrás de justiça. Nosso estado anda meio estranho ultimamente. Coisas se misturando, funções se confundindo. Até já escrevi a respeito. Polícia é polícia, juiz é juiz, jornalista é jornalista. Se uma destas parcelas se achar maior do que a outra, se empresas de comunicação se consideram instituições republicanas (só que privadas), vamos repetir as injustiças, regulamentar a impunidade e ter de criar o "Bolsa Mico" com cartão magnético e tudo. Ainda sobre o DAER, meu pitaco é deixar assim mesmo. Vamos agora deixar o seu Eliseu ganhar algumas licitações, coitado, que ele para de se queixar da vida. Com isto, a CPI desaparece e voltamos ao lema "é melhor DAER do que receber".

Procurei em tudo quanto é jornal e nada sobre a Operação Cartola. Só o último guardião Políbio Braga repercute – e com razão. De resto, sumiu como que por encanto. Foram buscar lã e saíram tosquiados. Se o próprio Cartola soubesse que seu nome seria usado para a coisa, certamente pularia no cangote do autor da tal "operação". De novo, resultado mesmo só o nome de oito prefeitos na mais pura e fétida merda. Reeleição? Só se Cucuia virar município. Agora, se a ideia era passar pavor para a prefeitada, a "operação" foi um formidável sucesso. O resumo, no entanto, como diria um amigo de nome Wladimir Lenine Lattuada, é "muito mais ovo do que aplauso".

Minha manhã terminou com a informação de que no aguardadíssimo depoimento, Paulo Feijó teria negado veementemente, diante do juiz, tudo que a Luciana Genro dissera em entrevista coletiva no passado recente. Em resumo, ele disse que nada era verdade, que a filha do governador havia mentido. Desliguei o rádio. Fico constrangido com a mentira. Não deve ser nada fácil lidar com essas coisas em casa.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pororoca (Ou, como política e publicidade podem criar um coquetel fatal)

Publicidade não é a arte de dizer a verdade. Não tem esta obrigação. Esta incumbência, a priori, deveria ser da imprensa. A publicidade ainda pode chamar cigarro de "raro prazer". A imprensa, esta sim, noticia eventuais safras recordes de fumo, ou a implantação de uma fábrica que gerará centenas de novos empregos, assim como os efeitos nocivos do fumo no organismo. Deveria ser desta forma, pelo menos. Este é o principal motivo pelo qual, tradicionalmente, as redações não estão na mesma sala onde operam os executivos de venda de mídia. A publicidade pode ser séria, sim. Todavia, nem sempre o é. Nem a imprensa é sempre assim tão séria e responsável. Deveria ser.

Em um veículo de comunicação, o ideal seria haver uma nítida separação entre o que é editorial e o que é publicidade. Nem sempre é o que acontece. Personalidades tidas como de alta credibilidade, do alto de seus quase cinquenta anos de microfone, ainda tratam funerárias como "minha funerária preferida" (tão tétrico quanto falso). Já uma concorrente da tal funerária preferida faz seu marketing declarando-se que "nem parece funerária". Está tudo errado, tanto nas agências, nos estúdios quanto nas funerárias.

Entretanto, a publicidade acabou encontrando um substrato úmido e quentinho nos jardins da incensada política. Nada de novo. Afinal, vender um político ou uma gestão pública é o mesmo que vender uma marca de cigarro, certo? Pode até dar certo prazer, mas pode matar. O que mais se destaca na observação de um repetitivo conjunto de problemas envolvendo a publicidade e os políticos é o lugar-comum que existe entre as duas atividades. E este lugar comum chama-se a "desobrigação de se dizer a verdade". Publicidade não é o discurso da ética, nem da moral e nem dos bons costumes. A política no Brasil também não se preza pela verdade e pelo culto a valores éticos. Política e publicidade são fenômenos separados que, quando se unem, podem gerar enormes enganos. Lembremos Fernando Collor, o caçador de marajás, e do Fome Zero, de Lula. Dois "produtos": um candidato viril e destemido nos foi vendido e não nos entregaram. Já o outro "produto", o Fome Zero, já está morto e enterrado, não sem antes guindar seu antigo gestor à presidência da FAO. Exemplos abundam.

Política e publicidade, juntas, precisam ser muito bem controladas, para que ambas fujam o menos possível da verdade. Marcos Valério inaugurou um sistema evoluído de relação entre política e publicidade que foi um coquetel de nitroglicerina pura. Baseava-se no fato de que, haja o que houver, a impunidade garante a continuidade. Exageraram na dose e o petardo explodiu no colo de robustos petistas.

Este assunto é imenso. Dizer a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade é por demais complexo. Se ao menos os políticos falassem a verdade, se fossem mais honestos, obrigariam empresas, empreiteiras e agências a serem menos inverídicas. Se houvesse mais honestidade na política, teríamos mais honestidade na publicidade. Se tivéssemos mais ética na gestão pública, teríamos mais ética nas relações com qualquer tipo de fornecedor.

Política e publicidade podem se unir como salitre e enxofre. No pavilhão da impunidade, no entanto, podem ora criar fugazes fogos de artifício, ora verdadeiras bombas de efeito imoral.